Falta de consciência de classe reduz a capacidade de respostas a problemas sociais

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Advogado e consultor político, Thiago Mello, fala da falta de percepção de cidadãos quanto ao próprio posicionamento entre as classes sociais brasileiras

Você sabe o que é consciência de classe? Para Karl Marx, a base da divisão de classes na sociedade burguesa, que também fundamenta as distinções sociais das sociedades pré-capitalistas, está na relação entre os proprietários dos meios de produção e os produtores diretos de riqueza. Marx afirmou que existem três grandes classes: proprietários fundiários, capitalistas e trabalhadores assalariados.

A consciência de classe, para Marx e Engels, é a percepção do próprio papel no sistema produtivo, seja como produtor de riqueza, seja como proprietário dos meios de gerar riqueza. Perceber seu papel central diante desta sociedade requer tempo e é possível, por meio da luta de classes. Isso envolve reconhecer a própria condição econômica, identificar outros indivíduos na mesma situação, desenvolver uma gama de interesses em comum e organizar-se politicamente para viabilizar as demandas desse grupo.

Para os filósofos, assim como a burguesia havia desarticulado e substituído a sociedade feudal, o proletariado, por meio da luta de classes, desarticularia e substituiria a sociedade burguesa.

O advogado e consultor político, Thiago Mello, especialista no tema, e um dos instrutores do curso de Políticas Públicas para uma Nova Cultura e Sociedade, do Polo Uerj Nova Friburgo, foi entrevistado pelo Eco Serrano que falou como a ausência da consciência de classe pode custar caro à democracia.

O que é Consciência de Classe?

Thiago Mello: Esse é um termo comum à sociologia e à ciência política que busca interpretar o entendimento de valores e identidades de determinados grupos sociais, sua classe social ou econômica. Tais grupos, classes e estratos econômicos teriam, assim, um alinhamento de interesses comuns na busca da melhoria da sua condição ou posição social.

No Brasil, há Consciência de Classe?

Thiago Mello: Essa é uma questão relativamente polêmica. Acredito que as tensões típicas do conflito entre as classes esteja no DNA de nossa população. Contudo, resta evidente que tal fenômeno aconteça de forma difusa e desarticulada de sentido, havendo ainda grave distorção da percepção de muitos cidadãos quanto ao seu posicionamento entre as classes sociais brasileiras (pequeno empreendedor que se acha capitalista; o bancário que pensa que é banqueiro, etc)

O que acontece quando grande parte de um país não possui Consciência de Classe?

Thiago Mello: A ausência de uma identidade, de uma consciência de classe, ao meu ver, implica, sobretudo, na dispersão de forças mobilizadoras para a transformação de condições sociais adversas, forças capazes de criar e garantir direitos os mais diversos (sociais, trabalhistas, humanos, etc). Não compreender quem é o opressor e o oprimido nas relações de poder e exploração impedem uma capacidade de resposta sociais às injustiças inerentes ao sistema de produção capitalista, pela exploração do trabalho.

Em períodos eleitorais, saber o seu papel dentro de uma sociedade faz a diferença?

Thiago Mello: Faz toda a diferença. Somente compreendendo os conflitos de interesses inerentes aos conflitos de classe (redução de direitos trabalhistas X mais garantias sociais, por exemplo), é que a democracia mostra todo seu vigor e potencial. Podemos mesmo dizer que ao mascararmos os interesses de uma classe, atraindo apoio de outra antagônica,  uma vez que a distinção de classe não seja clara ou se faça presente, temos uma democracia viciada e deturpada, incapaz de oferecer representações proporcionais ao recorte societário dessa democracia.

Existe alguma explicação para que pessoas que pertencem a classe média “para baixo”, assalariados de um modo geral, elejam “patrões” e não seus pares?

Thiago Mello: Creio que existem algumas explicações. Mas, de forma objetiva, creio que vale revisarmos os conceitos de “poder” de Max Weber. Para ele, são três as formas de dominação: poder da lei; poder da tradição; e, o poder carismático. Se olharmos para a história política do Brasil, veremos claramente que o poder da lei e da tradição remetem ao nosso passado escravista, de exploração do trabalho em troca de duas “benesses”: casa e comida. Com o avanço dos conceitos da modernidade e da democracia liberal, com a revolução dos meios de comunicação e arregimentação simbólica da comunicação de massas (nesse particular, vale revisar os conceitos da escola de Frankfurt), o poder carismático dessas classes se renova por meio da construção de um discurso de medo e ameaças, impondo o terror como ferramenta de dominação (“se não nos manterem, os comunistas vão assumir”; “se tal e qual for eleito, nos tornaremos a Venezuela…, e assim  por diante).

Eleger um representante que pertença a própria classe é algo palpável? Há a ideia de que alguém que tenha uma realidade próxima que entenda esta realidade, consiga representar um povo com mais fidelidade e pautas que beneficiem uma maioria?

Thiago Mello: A rigor, um dos preceitos óbvios da representação democrática é de haver a eleição de candidatos que representem determinados setores da sociedade de forma proporcional. Assim, por óbvio, houvesse mesmo um vínculo entre as classes sociais e os representantes eleitos, teríamos mais representantes verdadeiramente alinhados aos anseios da maioria por serem oriundos dessa maioria. Saúde pública de qualidade, educação, moradia digna, incremento de renda e melhores condições de trabalho elegeriam pessoas que lutam e buscam esses incrementos. Porém, por uma série de outros fatores históricos e sociais, o que vivemos é uma plutocracia que de vez em quando revigora sua promessa de vitalidade por meio de novos ídolos, novos heróis e mitos, fiadores de mudanças que terminam na vala comum do fisiologismo.

Eleger alguém que esteja distante da sua classe social é falta de consciência de classe?

Thiago Mello: A rigor não, caso fossem casos isolados ou uma minoria dentre os eleitos. Agora, rechaçar os legítimos representantes das classes sociais de menor renda ou escolaridade, incluindo aqui um ódio de morte, com preconceitos, assumindo os discursos e falas daqueles que oprimem é sim um sintoma claro da ausência de entendimento da consciência de classe. E isso, no fim das contas, custa muito caro ao eleitor, para a sociedade e para o Estado.

Foto Pedro Bessa

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