Síndrome do Pânico atinge 280 milhões de pessoas no mundo, as segundo Clara Rodrigues ainda é vista como “desculpa” perante a sociedade
O mundo vive uma epidemia e não é de Coronavírus, apenas. Os diagnósticos de transtornos psicológicos crescem a cada dia e a comunidade de profissionais de saúde mental chama atenção para o que considera ser o grande mal do século.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo. Ainda assim, de acordo com especialistas, não há no país assistência médica adequada.
Ainda segundo a OMS os transtornos mentais são responsáveis por mais de um terço do número total de incapacidades nas Américas.
Um dos transtornos mais presentes nos brasileiros é a Síndrome do Pânico. Dados internacionais, levantados pela OMS, informam que essa patologia atinge cerca de 4% da população mundial, algo em torno de 280 milhões de pessoas.
Para entender um pouco mais sobre este transtorno, o EcoSerrano entrevistou a psicóloga Clara Rodrigues.
Confira:
EcoSerrano: O que é a Síndrome do Pânico?
Clara: A Síndrome do Pânico é caracterizada por ataques de pânico recorrentes, sendo estes acompanhados de medo intenso, sensação de mal estar e sintomas físicos e cognitivos que tem início de forma abrupta.
EcoSerrano: Quais são os sintomas?
Os sintomas resultantes da síndrome do pânico são bem extensos. Vale ressaltar que somos subjetivos, cada pessoa pode ter um sintoma distinto. Para que um diagnóstico seja feito de forma correta é preciso que um profissional capacitado faça coleta de dados da história de vida psicológica, pessoal e fisiológica do paciente, para atribuir, ou não, um diagnóstico de síndrome do pânico.
Dentre os sintomas que podem aparecer na síndrome do pânico temos: taquicardia; sudorese (suor excessivo sem correlação com o clima); tremores; sensação de falta de ar ou sufocamento; dor ou desconforto torácico; náusea ou desconforto abdominal; sensação de tontura; instabilidade; vertigem ou desmaio; calafrios ou ondas de calor; parestesias (anestesia ou sensação de formigamento no corpo); desrealização (alteração da sensação de realidade dos outros e do mundo); despersonalização (alteração da sensação de si próprio); medo de perder o controle ou de enlouquecer e medo de morrer.
EcoSerrano: Como é o diagnóstico?
Clara: O psicólogo sempre irá realizar um levantamento de dados sobre o paciente, levando em conta seus históricos familiares de doenças, suas experiências em cada fase da vida (infância, adolescência, vida adulta), além de encaminhamento para a realização de consultas médicas onde o profissional irá descartar (ou não) a ausência de patologias advindas de condições fisiológicas, tendo em vista que vários sintomas comuns da síndrome do pânico podem ser resultantes não de uma condição somente psicológica, mas também de problemas fisiológicos. Então, é imprescindível um trabalho multidisciplinar no que se diz respeito à consolidação de um caso de síndrome do pânico (bem como outras síndromes ou transtornos).
EcoSerrano: Síndrome do Pânico é uma doença?
Clara: É uma questão delicada e pouco questionada. Entendemos como doença, de acordo com a OMS, ausência de saúde. A doença é tida como um quadro com sinais e sintomas específicos que alteram a saúde de uma pessoa, possuem causas conhecidas (como se pudéssemos colocar em uma caixinha). Em contrapartida, as síndromes são conjuntos de diferentes sintomas, inespecíficos, o que acaba fazendo com que cada indivíduo a experimentar de forma única, não podendo encontrar um denominador comum para sua causa. Ou seja, quando estamos falando de síndrome do pânico, o mais correto é que ela seja tratada como uma síndrome e não como uma doença.
Quando o paciente aprende a controlar sua respiração, ele consegue compreender mais facilmente o que está acontecendo
EcoSerrano: Como é o tratamento?
Clara: Dentro da psicologia nós possuímos diversas abordagens e cada qual tem sua premissa. Eu trabalho com terapia cognitivo comportamental (TCC) e uma das principais técnicas da TCC é a psicoeducação, ela tem por finalidade orientar e explicar o paciente sobre o que ele sente, sobre a síndrome ou o transtorno pelo qual ele está acometido, fazendo com que ele sinta-se conhecedor, capaz de lidar com aquelas questões e desmistificar o senso comum, causando pertencimento e acolhimento para o paciente. Outra técnica muito utilizada é a de respiração e relaxamento, isso porque a síndrome do pânico é acompanhada de diversos sintomas fisiológicos, um dos mais perturbadores é a hiperventilação. Quando o paciente aprende a controlar sua respiração, ele consegue compreender mais facilmente o que está acontecendo, o que ajuda a diminuir as sensações trazidas pelos ataques de pânico e também na prevenção de novas crises. Essas são apenas duas, de inúmeras técnicas que a terapia cognitivo comportamental nos possibilita trabalhar. Além disso, cada paciente é único, não há uma “receita de bolo”, precisamos respeitar a individualidade de cada um. Em alguns casos é preciso que o trabalho seja realizado com a intervenção medicamentosa, tendo então que ser realizado juntamente com um médico psiquiatra.
EcoSerrano: O que pode ocasionar a uma pessoa desenvolver a Síndrome do Pânico?
Clara: A Síndrome do Pânico é um conjunto de fatores biológicos (genéticos), psicológicos e sociais, podem fazer com que o indivíduo seja mais propenso a desenvolver esse transtorno, tendo então uma resposta mais catastrófica e disfuncional para fatores estressantes da vida, como um casamento, um divórcio, uma crise financeira. Além disso, pessoas que tiveram traumas e episódios de estresse na infância têm uma propensão maior ao desenvolvimento de síndrome do pânico, afinal, somos resultado das nossas experiências e vivências, e como elas são trabalhadas e significadas em nossa infância reflete na nossa maneira de ver as situações e o mundo.
Síndrome é vista como “desculpa”
EcoSerrano: Como é a sua experiência em tratar pacientes com esse transtorno?
Clara: Uma das principais dificuldades em lidar com ela é o julgamento da sociedade, da família. Os pacientes muitas vezes são descredibilizados, tidos como pessoas frescas e acomodadas, que utilizam a síndrome como “desculpa” para se livrarem de afazeres do dia a dia. Infelizmente, os transtornos e síndromes psicológicas, aquilo que não é palpável, para a população não tem credibilidade, dificultando ainda mais o processo terapêutico, já que um viés importante na terapia é o apoio familiar.
EcoSerrano: Há cura para a Síndrome do Pânico?
Clara: Bom, essa é uma pergunta bem polêmica. Como a maioria dos transtornos e síndromes psicológicas, a síndrome do pânico não tem cura, mas com esforço, paciência e o tratamento correto o paciente consegue uma remissão dos sintomas, uma reestruturação no seu modo de ver a si mesmo e o mundo e começa a compreender e a manejar os sintomas que antes lhe eram perturbadores. É possível conviver com a síndrome do pânico, conseguir gerir sua vida, atividades laborais, sociais e pessoais. Quando o paciente consegue compreender que ele que domina a síndrome do pânico e não ela que o domina, é possível ter uma vida dentro da normalidade, mas não é possível afirmar que nunca mais irão ocorrer episódios de ataques de pânico.